terça-feira, novembro 16, 2010

Um choro, um sorriso


Post que escrevi no dia da morte de um amigo e hoje recoloco no blog porque a morte de um servo de Deus me fez chorar e sorrir. Força Evelyn, força....

Entrei no quarto.

Meu coração batia forte.

Sabia que ela estava lá.


Podia sentir sua presença, o clima era tenso, podia sentir seu cheiro. Cheguei mais perto, olhei nos seus olhos.


Ela sorriu pra mim.


Seu sorriso me encheu de raiva, dor, indignação. Seu sorriso tinha sarcasmo, tinha maldade, tinha a confiança de quem logo me conquistaria também.


Olhei dentro de seus olhos e tive vontade de gritar, tive vontade de fugir, tive vontade de sair daquele lugar. Não podia. Precisava ficar, sabia que a encontraria. Era a morte.


Nestes dias tive um encontro com a morte. Fui a um hospital visitar um amigo que está já em seus últimos dias. O corpo destruído por um câncer assassino que o fulminou em pouco mais de seis meses. Mal pode falar, não pode se mexer sozinho, respira com dificuldades, tem anestésicos pesadíssimos 24h por dia, passa muito tempo entre alucinações e desmaios. Tem pouco tempo de lucidez. Cheguei ao quarto onde estava internado para uma oração, para um momento de entrega da vida dele nas mãos de Deus. Queria dar a ele a oportunidade de dizer: estou pronto para descansar. Existem coisas no ministério que temos que fazer mesmo contra nossa vontade e ver o fim de alguém é uma dessas.


Pude ver a morte ali naquele quarto. Doeu meu coração. Senti uma lagrima cair pra dentro. Pode parecer bobagem, mas tento ser o mais forte que posso nessas horas, tento não permitir que as emoções me dominem. Não queria que ela visse minhas lágrimas, não queria que meus amigos vissem minhas lágrimas. Chorei por dentro, um choro que é muito mais amargo que um choro normal.


Na minha cabeça, enquanto falava com ele naquela janela de lucidez, pensava: até quando, meu Deus? Até quando ela vai rir de mim? Lembrei de quando era criança e meu irmão ou um amigo ria de mim. Lembrei como isso me machucava, como isso me indignava, lembrei como corria na direção de meu pai ou da minha mão e dizia: olha ele rindo de mim!!! Como procurava minha professora e pedia ajuda: fala pra ele parar de rir de mim. As vezes funcionava, as vezes não. No meu coração dizia a Deus: Pai, fala pra ela parar de rir de mim, fala pra ela parar de rir de nós. Não é justo, dizia eu, não é justo que ela fique rindo. Não deixa isso, meu Pai!!


Fiz o que devia fazer ali. Orei por eles, orei por mim, orei por todos. Abracei a quem podia abraçar. Passei minha mão na cabeça de meu amigo. Ele já não parecia lúcido, tinha os olhos no infinito. Tentei dizer mais alguma coisa. Palavras são limitadas e as vezes inúteis.


Sai de lá. Ela ainda sorriu como quem diz: Ainda conquisto você também. Sai e fechei a porta.


Andei pelos corredores daquele hospital vendo os contrastes da vida. O vizinho ao quarto dele acabava de nascer.


Cheguei ao meu carro e deitei minha cabeça ao volante e foi então que ouvi uma voz. Uma voz suave, uma voz doce, uma voz que transmitia certeza do que estava dizendo, uma voz que se preocupava em secar minhas lágrimas. Era a voz de Deus.


Abri minha mochila e tirei minha Bíblia. Sorri outra vez. A voz foi clara. Sorri feliz.


"
Escutem bem este segredo: nem todos vamos morrer, mas todos nós vamos ser transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, quando tocar a última trombeta. Ela tocará, os mortos serão ressuscitados como seres imortais, e todos nós seremos transformados. Pois este corpo mortal precisa se vestir com o que é imortal; este corpo que vai morrer precisa se vestir com o que não pode morrer. Assim, quando este corpo mortal se vestir com o que é imortal, quando este corpo que morre se vestir com o que não pode morrer, então acontecerá o que as Escrituras Sagradas dizem:
A morte está destruída!
A vitória é completa!"
Onde está, ó morte, a sua vitória?
Onde está, ó morte, o seu poder de ferir?"
I Co 15.51-55 (NTLH)


Fechei minha Bíblia, abri a janela, ligue meu carro. Olhei para o lado vendo se podia sair. Pude vê-la na janela, olhava pra mim como se não entendesse nada.

Eu sorria.

Calma, dizia eu, tua hora também vai chegar. Você vai ver.

A rua estava livre. Arranquei. Fui embora.

Fui sorrindo.